Resumo

A ira, enquanto um dos Sete Pecados Capitais, representa a manifestação descontrolada da emoção, comumente expressa por agressividade, intolerância e reações impulsivas. Muito além de uma simples explosão de raiva, ela simboliza a incapacidade de governar a si mesmo e pode comprometer a convivência fraterna e os princípios éticos. Este artigo analisa a ira sob a ótica maçônica, destacando sua oposição à serenidade, ao equilíbrio e à justiça — valores fundamentais na caminhada do maçom. Propõe-se, assim, uma reflexão sobre o autodomínio como ferramenta essencial no caminho iniciático e na construção de uma sociedade mais harmônica.

Introdução

Desde os escritos de São Gregório Magno até a sistematização de Tomás de Aquino, a ira é considerada um pecado capital devido ao seu poder de destruir vínculos, desfazer alianças e semear discórdias. Muito além de uma emoção natural, a ira se torna pecaminosa quando ultrapassa os limites da razão e se converte em violência, vingança ou ressentimento.

Na sociedade contemporânea, marcada pela intolerância, discursos de ódio e reações impulsivas, compreender e dominar a ira tornou-se uma virtude rara. Para a Maçonaria, que trabalha com o desbaste do ser interior, a ira representa um obstáculo significativo à construção moral do obreiro. A Ordem propõe, em contraponto, a prática da paciência, da equanimidade e da busca constante pela justiça equilibrada.

Desenvolvimento

A Ira como paixão desgovernada

A palavra “ira” vem do latim ira, que significa fúria ou indignação intensa. Na tradição filosófica, Aristóteles já distinguia entre a ira justa, movida por um senso de injustiça, e a ira desmedida, que ultrapassa os limites do razoável. Esta última é a que interessa à moral cristã e maçônica: a que cega, que julga sem reflexão, que age com violência física ou verbal.

A ira pode surgir do orgulho ferido, do desejo de controle ou da intolerância à frustração. Quando não reconhecida e transformada, torna-se fonte de grande destruição pessoal e social. Nos tempos atuais, é amplificada pelas redes sociais, onde o anonimato e a velocidade favorecem o julgamento precipitado e o ódio gratuito.

A Ira na simbologia maçônica

A Maçonaria, ao ensinar o autodomínio como ferramenta de aperfeiçoamento, vê na ira um inimigo interno. O maçom é iniciado num caminho de equilíbrio — o mesmo equilíbrio que deve manter entre o prumo, o nível e o esquadro. A ira descontrolada rompe essa harmonia e impede a construção do Templo interior.

O trabalho em Loja exige paciência, escuta e tolerância. Discussões, divergências e decisões fazem parte da dinâmica fraterna, mas devem ser conduzidas sob a luz da razão. Quando a ira invade o Templo, ela destrói o espírito de união e compromete os objetivos coletivos.

Além disso, no plano simbólico, a ira representa o calor destrutivo que precisa ser transmutado em energia construtiva — o fogo da paixão que, domado, pode fundir metais, mas, sem controle, destrói tudo ao redor.

Virtudes maçônicas contra a Ira

A Maçonaria oferece ao obreiro ferramentas filosóficas e rituais para enfrentar a ira. Entre as virtudes que se contrapõem a ela, destacam-se:

  1. Temperança: moderação dos impulsos, especialmente da raiva.

  2. Justiça: agir com equilíbrio, mesmo quando provocado.

  3. Paciência: capacidade de suportar sem revolta.

  4. Sabedoria: refletir antes de reagir.

  5. Fraternidade: colocar-se no lugar do outro, compreendendo suas limitações.

O processo maçônico de autoconhecimento é um caminho de lapidação da personalidade. O obreiro aprende a observar suas reações, nomear suas emoções e buscar respostas pautadas na razão e na serenidade.

Conclusão

A ira, quando não reconhecida e transformada, torna-se uma prisão emocional. Ela impede o diálogo, destrói relações e nos afasta do propósito iniciático. Na Maçonaria, o autodomínio é condição essencial para o progresso espiritual e para a edificação coletiva.

Ser maçom é também ser um pacificador. É saber que o verdadeiro forte não é o que domina os outros pela força, mas o que domina a si mesmo com consciência. Diante da ira, o obreiro deve responder com reflexão; diante da injustiça, com ponderação; diante do conflito, com sabedoria.

Ao agir assim, ele honra o Compasso e o Esquadro — instrumentos simbólicos que orientam não apenas os traços da construção, mas os limites do comportamento ético.

Referências Bibliográficas

  1. AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. Alexander Broadie. São Paulo: Loyola, 2001.

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  6. MACKEY, Albert G. Encyclopedia of Freemasonry. Masonic History Company, 1914.

  7. MARCÍLIO, Maria L. T. As paixões da alma na filosofia medieval. São Paulo: Loyola, 2003.

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