Resumo
Este artigo propõe uma reflexão sobre os Sete Pecados Capitais, com ênfase na gula, a partir de uma perspectiva filosófica e espiritual dentro da doutrina maçônica. Ao explorar as origens e significados desses vícios, busca-se compreender como a gula se manifesta nos dias atuais, extrapolando o campo alimentar e representando um desequilíbrio do desejo. Na Maçonaria, a busca pela perfeição moral inclui o combate consciente a esses excessos. Utilizando-se de referências simbólicas e doutrinárias da Ordem, o artigo propõe uma analogia entre a gula e a ausência de temperança, destacando formas de evitá-la por meio do aprimoramento ético e espiritual.
Introdução
Os Sete Pecados Capitais, descritos por Gregório Magno no século VI e sistematizados por Tomás de Aquino, representam vícios que corrompem a alma humana e afastam o indivíduo da virtude. São eles: soberba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguiça. Estes pecados não estão necessariamente ligados a atos específicos, mas a disposições internas que conduzem à prática do mal.
Dentre eles, a gula é frequentemente banalizada como simples excesso alimentar, mas, sob um olhar simbólico e filosófico, representa algo mais profundo: a incapacidade de controlar desejos que dominam o corpo e a mente. A Maçonaria, como escola de aperfeiçoamento moral e espiritual, fornece ferramentas para que seus membros identifiquem e combatam esses desequilíbrios por meio da prática da temperança, do trabalho e da vigilância interior.
A Gula: Mais do que um Excesso Alimentar
A gula, do latim gula, significa apetite desordenado, não apenas por comida, mas por tudo que alimenta os sentidos de maneira excessiva. Segundo Aquino (Suma Teológica, II-II, q. 148), ela não é apenas o ato de comer em excesso, mas também o desejo imoderado por prazeres sensoriais que debilitam o espírito.
No mundo contemporâneo, a gula manifesta-se também em consumismo desenfreado, compulsões digitais e busca incessante por gratificações imediatas. O problema central não está no prazer em si, mas na perda do domínio sobre ele. O maçom, como aprendiz da moral, é chamado a reconhecer esse vício em si e transmutá-lo em virtude, por meio do autocontrole.
A Gula na Perspectiva Maçônica
A Maçonaria ensina, desde os primeiros graus, o valor da moderação. Um dos pilares da ética maçônica é a temperança, definida como a capacidade de governar os próprios impulsos. Ao contrário da imposição de um ascetismo rígido, a Ordem ensina o equilíbrio: comer quando necessário, mas não por compulsão; buscar o conforto, mas não à custa da razão.
No Rito Escocês Antigo e Aceito, por exemplo, os ensinamentos simbólicos presentes nos graus filosóficos convidam à lapidação do “bruto” que existe no homem. A Gula, nesse contexto, representa uma aresta a ser desbastada. O maçom deve trabalhar sobre si mesmo como um escultor sobre o mármore: retirando o excesso, revelando a forma justa.
A gula pode ocorrer no Templo simbólico quando o obreiro se entrega ao excesso de vaidades, à busca insaciável por títulos, ou mesmo à frequência sem propósito nas sessões. Quando o apetite por reconhecimento ou prestígio suplanta o trabalho silencioso e edificante, a gula se instala de forma sutil, mas perigosa.
Como Evitar a Gula Dentro da Ordem
A luta contra a gula, como contra qualquer vício, não se dá com repressão, mas com sublimação. A Maçonaria propõe práticas que ajudam nesse caminho:
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Reflexão e silêncio interior: A meditação sobre os próprios desejos permite ao maçom reconhecer os excessos antes que se tornem hábitos.
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Estudo constante: O conhecimento é alimento do espírito. Quando o obreiro nutre-se de sabedoria, sente-se menos inclinado à satisfação superficial.
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Ritualística simbólica: Os rituais são exercícios de concentração e disciplina. A repetição ordenada de gestos e palavras combate a dispersão dos sentidos.
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Trabalho desinteressado: Colocar-se a serviço da Loja e da sociedade sem esperar recompensa pessoal combate o ego e regula o apetite.
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Vivência da fraternidade: O convívio fraterno exige renúncia, escuta e partilha — antídotos diretos contra a gula do ego.
Considerações Finais
A gula, muitas vezes negligenciada por parecer inofensiva, revela-se um vício perigoso justamente por sua sutileza. Ela aliena o homem de sua essência e o escraviza aos sentidos. Na Maçonaria, o combate à gula é uma luta pela liberdade interior. Ser livre e de bons costumes, como exige a Ordem, é também ser senhor de si mesmo.
Nesse processo, o maçom não apenas evita a gula, mas transforma o apetite desordenado em fome de justiça, sede de sabedoria e desejo de servir. Assim, o pecado cede espaço à virtude, e o homem, à imagem do Grande Arquiteto do Universo, se reergue com equilíbrio e luz.
Referências Bibliográficas
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AQUINO, Tomás de. Suma Teológica. Trad. Alexander Broadie. Loyola, 2001.
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MAGNO, Gregório. Moralia in Job. Roma: Lateran Press, 590 d.C.
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FRANCO, Divaldo Pereira. Leis Morais da Vida. Pelo Espírito Joanna de Ângelis. FEB, 2006.
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LIMA, Claudio. Filosofia Maçônica. Madras Editora, 2008.
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MAÇONARIA BRASILEIRA. Constituição do Grande Oriente do Brasil. Brasília, GOB, 2019.