Resumo

O presente artigo analisa a recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que estabelece a responsabilização das plataformas digitais por conteúdos ilegais publicados por seus usuários, a partir do momento em que forem notificadas. A medida reabre o debate sobre os limites entre a moderação de conteúdos e a liberdade de expressão, levantando questionamentos sobre os riscos de censura em um ambiente digital cada vez mais regulado.

Introdução

Com o avanço tecnológico e o crescimento das redes sociais como principais canais de informação e expressão, os desafios relacionados à moderação de conteúdos se intensificaram. O Brasil, assim como outras democracias, enfrenta o dilema entre combater discursos de ódio, fake news e incitação à violência, sem ferir direitos constitucionais como a liberdade de expressão.

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal, que passou a responsabilizar empresas como Meta, Google e TikTok por conteúdos ilegais não removidos após notificação, reacendeu o debate: trata-se de proteção contra abusos digitais ou de uma forma sutil de censura?

O Julgamento do STF e seu Contexto

Em junho de 2025, o STF decidiu, por 8 votos a 3, que as plataformas devem remover imediatamente conteúdos reconhecidamente ilegais assim que forem notificadas — sem necessidade de ordem judicial. Entre os alvos estão incitações ao golpe de Estado, ataques à democracia, apologia ao nazismo, pedofilia e desinformação relacionada à saúde pública.

A decisão foi interpretada como uma tentativa de criar um ambiente digital mais seguro e menos permissivo com crimes digitais, mas críticos apontam a ausência de critérios objetivos e riscos à liberdade de expressão.

Moderação ou Censura?

A moderação de conteúdo é uma prática legítima e até necessária em ambientes digitais. Ela visa impedir abusos, proteger minorias e evitar a propagação de discursos criminosos. No entanto, a linha entre moderação e censura é tênue. Quando a exclusão de conteúdos passa a ser feita de forma preventiva, sem critérios claros, há risco de silenciamento de opiniões legítimas.

A principal crítica à decisão do STF é a possibilidade de transformar empresas privadas em “juízas da internet”, obrigando-as a interpretar o que é ou não legal, sob pena de responsabilização. Isso pode gerar uma postura de excesso de remoção (overblocking), prejudicando conteúdos inofensivos por medo de sanções.

Liberdade de Expressão e o Marco Civil da Internet

A Constituição Federal garante a liberdade de expressão e veda a censura prévia (art. 5º, IV e IX). O Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014) também define que a remoção de conteúdo só deve ocorrer por ordem judicial — salvo em casos específicos como nudez ou cenas de estupro.

A nova interpretação do STF, portanto, parece contrariar esse princípio ao permitir que notificações extrajudiciais tenham efeito vinculante, criando um mecanismo de censura indireta.

Exemplos Práticos e Possíveis Abusos

Plataformas poderão ser pressionadas por governos, grupos organizados ou empresas para retirar conteúdos críticos sob a justificativa de “ilegalidade”, ainda que sem decisão judicial. Isso já ocorre em países autoritários e pode se tornar realidade em democracias frágeis.

Além disso, há risco de instrumentalização política, onde conteúdos de oposição sejam removidos mais rapidamente do que os da situação, configurando censura ideológica.

O Papel das Redes e Caminhos Possíveis

As redes sociais, por sua vez, não podem ser isentas de responsabilidade. Elas lucram com a viralização de conteúdos — inclusive nocivos. Portanto, precisam ter políticas de transparência e mecanismos de apelação justos.

  • A solução talvez esteja no meio termo:
  1. Manutenção da ordem judicial como regra para remoção;

  2. Definição legal clara do que é conteúdo “manifestamente ilegal”;

  3. Criação de uma autoridade independente para analisar pedidos urgentes de remoção, como em casos de terrorismo ou apologia ao crime.


Conclusão

A decisão do STF representa um marco na regulamentação digital brasileira, mas também traz preocupações legítimas quanto à liberdade de expressão. O combate ao conteúdo ilegal é necessário, mas precisa ser feito com transparência, equilíbrio e garantias constitucionais. Moderação não pode ser sinônimo de censura, e a defesa da democracia inclui a proteção da pluralidade de vozes — inclusive aquelas com as quais não concordamos.

Bibliografia

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