Resumo: O presente artigo aborda a complexa questão do aborto no Brasil, explorando suas implicações jurídicas e éticas à luz da Constituição Federal de 1988 e do Pacto de San José da Costa Rica. A análise se centra no entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a recepção de normas infraconstitucionais e na controvérsia em torno do artigo 128 do Código Penal, que trata do aborto em casos específicos. O artigo discute os princípios do direito à vida, os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, e a personalidade jurídica do feto, culminando em uma reflexão sobre a proteção legal e constitucional conferida aos nascituros.

Introdução: O aborto é uma questão que suscita intensos debates jurídicos, éticos e sociais. No Brasil, a Constituição Federal de 1988 e tratados internacionais, como o Pacto de San José da Costa Rica, desempenham um papel crucial na definição do direito à vida e na regulamentação das práticas abortivas. Este artigo examina a recepção das normas infraconstitucionais pela Constituição de 1988, com foco no artigo 128 do Código Penal, que permite o aborto em casos específicos. A análise busca esclarecer os pontos de tensão entre os direitos reprodutivos das mulheres e a proteção do feto, abordando as implicações de considerar o feto como uma criança e os desdobramentos legais dessa perspectiva.


Desenvolvimento:

1. Recepção de Normas Infraconstitucionais e o Aborto no Código Penal

A recepção é um fenômeno jurídico que ocorre quando uma nova Constituição ou emenda constitucional valida normas infraconstitucionais anteriores, desde que sejam materialmente compatíveis com o novo texto. A não recepção, por outro lado, descarta normas incompatíveis. No contexto do aborto, o artigo 128 do Código Penal, que permite o aborto em casos de risco à vida da gestante e gravidez resultante de estupro, é um ponto central de discussão. A compatibilidade desse artigo com a Constituição de 1988 e o Pacto de San José da Costa Rica é questionada, especialmente em relação ao direito à vida.

2. Direito à Vida na Constituição Federal e no Pacto de San José da Costa Rica

O artigo 5º da Constituição Federal assegura a inviolabilidade do direito à vida. O Pacto de San José da Costa Rica, incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro com força de emenda constitucional, também protege o direito à vida desde a concepção. Esta proteção coloca em evidência a necessidade de harmonizar os direitos da gestante com os direitos do feto, levando a debates sobre a constitucionalidade do aborto em diferentes circunstâncias.

3. Personalidade Jurídica do Feto e Implicações Legais

O feto, segundo o entendimento jurídico brasileiro, é considerado uma pessoa desde a concepção, conforme o artigo 2º do Código Civil, que protege os direitos do nascituro. A Lei 11.804/2008, que trata dos alimentos gravídicos, reforça essa perspectiva ao reconhecer o direito de alimentos para a mulher gestante desde a concepção. A análise integrativa desses dispositivos legais sugere que o feto é uma criança com proteção constitucional e legal, desafiando a legalidade do aborto fora dos casos terapêuticos.

4. Direitos Reprodutivos das Mulheres e Ponderação de Princípios

Os direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, incluindo o direito à autonomia e à integridade física e psíquica, são frequentemente confrontados com o direito à vida do feto. A ponderação de princípios é necessária para equilibrar esses direitos, considerando a importância de proteger a vida sem desconsiderar os direitos das gestantes. A decisão do STF em admitir o aborto de fetos anencefálicos como constitucional é um exemplo de como esses princípios são interpretados e aplicados.


Conclusão: O aborto no Brasil permanece um tema polêmico e de grande complexidade jurídica e ética. A análise das normas constitucionais e infraconstitucionais, juntamente com os tratados internacionais, revela uma forte proteção ao direito à vida desde a concepção, colocando desafios significativos para a legalização do aborto fora dos casos previstos no artigo 128 do Código Penal. A necessidade de uma abordagem equilibrada que respeite tanto os direitos das mulheres quanto a proteção do feto é essencial para avançar no debate e na formulação de políticas públicas adequadas.


Referências:

  • Constituição Federal de 1988.
  • Código Penal Brasileiro.
  • Lei 11.804/2008.
  • Pacto de San José da Costa Rica.
  • Supremo Tribunal Federal. (RE 632.586 AgR).
  • Emenda Constitucional nº 45 de 2004.
  • BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

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