Resumo

O avanço das legislações internacionais, como o Cloud Act dos Estados Unidos, a Lei Magnitsky e o E-Evidence na União Europeia, coloca em risco a soberania de dados das empresas brasileiras que utilizam serviços em nuvem estrangeiros. Recentes interrupções de grandes provedores globais, aliadas à crescente preocupação com compliance e privacidade, mostram que o tema deixou de ser teórico e passou a ser estratégico para a continuidade dos negócios. Este artigo analisa os principais riscos, impactos legais e operacionais, além de propor estratégias e alternativas nacionais para garantir a soberania digital e a resiliência das organizações no Brasil.

Palavras-chave: Soberania de dados, Cloud Act, Lei Magnitsky, E-Evidence, continuidade operacional, compliance, nuvem, Brasil.

Introdução

Nas últimas décadas, a digitalização e a adoção de serviços em nuvem tornaram-se indispensáveis para a competitividade das empresas brasileiras. No entanto, essa dependência crescente de provedores globais como Microsoft, Google e AWS expõe organizações a riscos antes inimagináveis, como interrupções de serviços e conflitos de jurisdição internacional (MAZZAFERRO, 2022). O Cloud Act dos EUA, o E-Evidence da União Europeia e leis como a Lei Magnitsky ampliam o alcance de governos estrangeiros sobre dados corporativos, criando um cenário de insegurança jurídica e operacional (SOUZA; RAMOS, 2023).

Recentemente, casos concretos de indisponibilidade em nuvens estrangeiras – como o ocorrido com uma empresa de energia na Índia – mostraram que falhas críticas podem paralisar operações inteiras (CIO, 2024). Além disso, exigências de compliance de clientes e regulações nacionais, como a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), trazem à tona o debate sobre a real soberania digital brasileira (BATISTA, 2023).

Desenvolvimento

1. O contexto internacional e o impacto nas empresas brasileiras

O Cloud Act (Clarifying Lawful Overseas Use of Data Act), sancionado em 2018 nos EUA, permite que autoridades americanas acessem dados de qualquer empresa sujeita à jurisdição americana, mesmo que os dados estejam armazenados fora do território dos EUA (ZANATTA; LESSA, 2020). De forma similar, o regulamento E-Evidence da União Europeia facilita a cooperação entre países membros para acesso a dados digitais, ampliando ainda mais a possibilidade de requisições transfronteiriças (EUROPEAN PARLIAMENT, 2023).

A Lei Magnitsky agrega outro elemento, pois prevê sanções, bloqueio de ativos e, potencialmente, acesso forçado a dados, sob alegação de combate a violações de direitos humanos (U.S. CONGRESS, 2024). Juntas, essas normas afetam diretamente empresas que utilizam serviços de nuvem de provedores sediados nos EUA ou Europa.

Um fato marcante foi a declaração do vice-presidente da Microsoft Europa, Brad Smith, ao Parlamento Europeu: “O governo dos EUA pode acessar dados de empresas estrangeiras armazenados em servidores Microsoft, mesmo que nunca tenha feito uso desse direito” (EUROPEAN PARLIAMENT, 2023). Isso reforça a insegurança jurídica para empresas brasileiras que dependem desses provedores.

2. Riscos e desafios da dependência das big techs estrangeiras

Além do risco de acesso governamental, empresas estão sujeitas a interrupções técnicas ou geopolíticas. Em 2024, uma grande empresa de energia na Índia ficou horas sem acesso a sistemas críticos devido a uma falha na AWS, impactando até serviços essenciais para a população (CIO, 2024).

Outro ponto é o compliance: muitas empresas, especialmente nos setores financeiro e público, já exigem que dados sensíveis fiquem armazenados em território brasileiro ou sob controle de provedores nacionais (BATISTA, 2023). A LGPD (Lei nº 13.709/2018) restringe a transferência internacional de dados e exige garantias adicionais para a proteção das informações pessoais (BRASIL, 2018).

A ausência de planos de contingência pode tornar o custo da surpresa irreparável. O relatório “2024 Data Risk Report” mostra que 68% das empresas brasileiras ainda não possuem estratégias maduras para continuidade operacional em cenários de interrupção de nuvem ou bloqueio internacional (VERITAS, 2024).

3. Estratégias e alternativas para a soberania de dados

Diante desse cenário, cresce o movimento por alternativas nacionais e soluções híbridas, que garantam maior controle e resiliência dos dados.

  1. Infraestrutura própria e hospedagem nacional: Data centers no Brasil, com gestão direta, minimizam riscos regulatórios e ampliam o controle sobre os dados (SOUZA; RAMOS, 2023).
  2. Soluções open source e alternativas nacionais: Plataformas como Nextcloud, Zimbra e OnlyOffice ganham espaço por oferecer autonomia e possibilidade de auditoria de código (FOSS POST, 2023).
  3. Criptografia ponta-a-ponta e backups offline: Estratégias que dificultam o acesso não autorizado e garantem a recuperação rápida em caso de incidentes (VERITAS, 2024).
  4. Planos de contingência: Testes periódicos de disaster recovery, avaliação de fornecedores quanto à jurisdição e diversificação de provedores tornam-se essenciais (BATISTA, 2023).

O papel da cultura organizacional e do engajamento da alta direção é fundamental para que a soberania de dados seja vista como prioridade estratégica, não apenas técnica.

Conclusão

A soberania de dados se consolida como uma necessidade vital para as empresas brasileiras diante de um cenário global incerto, marcado por conflitos geopolíticos e legislações extraterritoriais cada vez mais abrangentes. Não se trata mais de uma preocupação futura, mas de um imperativo de sobrevivência, conforme mostram casos recentes de interrupções em grandes provedores e o endurecimento das exigências de compliance e proteção de dados.

A construção de estratégias robustas de continuidade operacional, com alternativas nacionais e planos de contingência testados, é o caminho para mitigar riscos e garantir a autonomia digital das organizações brasileiras frente aos desafios do século XXI.

Referências

  1. BATISTA, Fábio. Soberania Digital: desafios e caminhos para o Brasil. Revista Tecnologia e Sociedade, v. 19, n. 2, p. 44-59, 2023.
  2. BRASIL. Lei nº 13.709, de 14 de agosto de 2018. Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD). Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/L13709.htm. Acesso em: 07 ago. 2025.
  3. CIO. Cloud outage at Indian power company raises new data sovereignty fears. CIO International, 2024. Disponível em: https://www.cio.com/article/cloud-india-power-outage.html. Acesso em: 07 ago. 2025.
  4. EUROPEAN PARLIAMENT. Statement by Microsoft Vice President Brad Smith on data access. Brussels, 2023. Disponível em: https://www.europarl.europa.eu/news/en/press-room. Acesso em: 07 ago. 2025.
  5. FOSS POST. 5 Open Source Alternatives to Google Workspace. FOSS Post, 2023. Disponível em: https://fosspost.org/open-source-alternatives-to-google-workspace/. Acesso em: 07 ago. 2025.
  6. MAZZAFERRO, Livia. Proteção de dados e o Cloud Act: riscos para empresas brasileiras. JOTA, 2022. Disponível em: https://www.jota.info/opiniao-e-analise/protecao-de-dados-e-o-cloud-act-riscos-para-empresas-brasileiras-30092022. Acesso em: 07 ago. 2025.
  7. SOUZA, Ricardo; RAMOS, Helena. O dilema da soberania digital: dependência de big techs e o papel da LGPD. Revista de Direito, Tecnologia e Inovação, v. 5, n. 1, p. 110-128, 2023.
  8. U.S. CONGRESS. Global Magnitsky Human Rights Accountability Act. Washington, 2024. Disponível em: https://www.congress.gov/bill/117th-congress/house-bill/1625. Acesso em: 07 ago. 2025.
  9. VERITAS. 2024 Data Risk Report. Veritas Technologies, 2024. Disponível em: https://www.veritas.com/report/data-risk-2024. Acesso em: 07 ago. 2025.
  10. ZANATTA, Rafael; LESSA, Victor. Cloud Act e seus impactos no Brasil. Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-09/zanatta-lessa-cloud-act-impactos-brasil. Acesso em: 07 ago. 2025.

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