Um novo capítulo na história da energia
A humanidade está diante de uma das transformações mais profundas de sua história: a transição energética global. Trata-se de um movimento que vai muito além da substituição de combustíveis fósseis por fontes limpas — é uma mudança estrutural na forma como produzimos, distribuímos e consumimos energia, com impactos econômicos, políticos e sociais.
Nos últimos 20 anos, o tema deixou de ser apenas ambiental para se tornar estratégico. Governos, empresas e organizações internacionais reconhecem que a descarbonização da economia é essencial para conter o aquecimento global e garantir segurança energética a longo prazo. A transição não é opcional — é o único caminho para a sobrevivência econômica e climática do planeta.
Leis climáticas e compromissos globais
Desde o Acordo de Paris (2015), mais de 190 países se comprometeram a reduzir suas emissões de gases de efeito estufa (GEE) para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C até o final do século. Esse compromisso se desdobra em legislações nacionais conhecidas como leis climáticas (Climate Laws), que estabelecem metas obrigatórias e mecanismos de monitoramento.
Entre os exemplos mais avançados estão:
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União Europeia (Green Deal): prevê neutralidade de carbono até 2050, com políticas integradas de energia, transporte e agricultura.
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Reino Unido (Climate Change Act): pioneiro ao criar, em 2008, um orçamento de carbono que limita emissões em ciclos de cinco anos.
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Estados Unidos (Inflation Reduction Act, 2022): maior pacote climático da história do país, com US$ 370 bilhões em investimentos em energia limpa e veículos elétricos.
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Brasil (Lei nº 12.187/2009 e Decreto nº 11.075/2022): institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima (PNMC) e cria o mercado regulado de carbono, alinhando metas nacionais às NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) apresentadas à ONU.
Essas leis são a espinha dorsal da governança climática. Elas estabelecem obrigações legais, instrumentos financeiros e planos setoriais de mitigação e adaptação — conectando o discurso ambiental à economia real.
Energia limpa: o coração da transição
A transição energética se baseia em três eixos principais:
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Descarbonização, com a substituição de carvão, petróleo e gás por fontes renováveis (solar, eólica, biomassa, hidrogênio verde);
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Digitalização, com o uso de tecnologias inteligentes para otimizar o consumo e integrar redes elétricas;
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Descentralização, permitindo que cidadãos e empresas produzam e compartilhem energia (como nas micro-redes e geração distribuída).
De acordo com a Agência Internacional de Energia (IEA, 2023), o investimento global em energia limpa ultrapassou US$ 1,8 trilhão em 2023 — superando, pela primeira vez, os gastos em combustíveis fósseis. A geração solar fotovoltaica lidera esse avanço, seguida pela eólica e pelo armazenamento em baterias.
No Brasil, a transição ganha força com o crescimento da energia solar (que já ultrapassou Itaipu em potência instalada em 2024) e a expansão da mobilidade elétrica, com incentivos fiscais e linhas de crédito verdes.
Entretanto, especialistas alertam: sem regulação forte e planejamento de longo prazo, o avanço tecnológico pode reproduzir desigualdades regionais, deixando comunidades vulneráveis fora do mapa da nova economia verde.
O papel das leis e metas climáticas nacionais
A legislação climática é o elo entre ciência e ação política. Ela transforma compromissos internacionais em metas verificáveis e obrigações internas.
O Brasil, por exemplo, assumiu a meta de reduzir 48% das emissões até 2025 e alcançar a neutralidade de carbono até 2050, conforme atualização apresentada à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC).
Essas metas se refletem em setores-chave:
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Energia e transportes: substituição progressiva de matrizes fósseis por biocombustíveis, eletrificação e hidrogênio verde;
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Agronegócio: ampliação da agricultura de baixo carbono e recuperação de pastagens degradadas;
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Florestas e uso do solo: combate ao desmatamento e aumento da cobertura vegetal nativa.
O Decreto nº 11.075/2022, que regulamenta o mercado brasileiro de carbono, representa um passo decisivo: cria sistemas de comércio de emissões e estabelece metas setoriais vinculantes, atraindo investimentos estrangeiros e alinhando o país à economia verde global.
Desafios e contradições da transição
Apesar dos avanços, a transição energética ainda enfrenta dilemas complexos.
1. Dependência dos combustíveis fósseis
Muitos países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, ainda dependem das exportações de petróleo e gás para equilibrar suas economias. A redução abrupta dessa dependência pode gerar impactos fiscais e sociais se não houver diversificação planejada.
2. Justiça climática
Nem todos os países partem do mesmo ponto. Regiões mais pobres, menos responsáveis pelo aquecimento global, sofrem os piores efeitos climáticos. A transição precisa ser justa, garantindo compensações e inclusão social.
3. Infraestrutura e investimento
A transição energética demanda grandes investimentos em redes elétricas, armazenamento e inovação. O Banco Mundial (2024) estima que países emergentes precisariam investir 3% do PIB por ano até 2035 para atingir suas metas.
4. Governança e fiscalização
Leis climáticas só são eficazes com transparência, monitoramento e sanções. A criação de conselhos nacionais de clima e observatórios independentes é essencial para medir avanços e cobrar resultados.
O futuro: uma economia de baixo carbono
A transição energética é mais do que uma mudança de matriz: é a base de uma nova economia global, onde competitividade, segurança e sustentabilidade convergem.
Empresas que adotam práticas de descarbonização ganham acesso a crédito verde e novos mercados. Cidades que investem em energia limpa e transporte sustentável se tornam polos de inovação. Governos que regulam e fiscalizam com rigor atraem investimentos e garantem estabilidade climática.
O desafio é monumental, mas inevitável. Como afirma o cientista Nicholas Stern (2022), “a transição para uma economia de baixo carbono é a maior oportunidade de desenvolvimento desde a Revolução Industrial”.
Se o século XX foi movido pelo petróleo, o século XXI será movido pela energia limpa, pelos dados e pela responsabilidade climática.
Referências
BANCO MUNDIAL. Climate Action for Sustainable Growth. Washington, 2024.
BRASIL. Lei nº 12.187, de 29 de dezembro de 2009. Institui a Política Nacional sobre Mudança do Clima. Diário Oficial da União, Brasília, 2009.
BRASIL. Decreto nº 11.075, de 19 de maio de 2022. Regulamenta o Mercado Brasileiro de Redução de Emissões (MBRE). Brasília, 2022.
EUROPEAN UNION. European Green Deal. Brussels: European Commission, 2023.
IEA – INTERNATIONAL ENERGY AGENCY. World Energy Outlook 2023. Paris: IEA, 2023.
NICHOLAS STERN. A Climate of Hope: Economic Growth and Low-Carbon Development. London: LSE Press, 2022.
ONU. Paris Agreement. United Nations Framework Convention on Climate Change, 2015.
UNITED KINGDOM. Climate Change Act. London: UK Parliament, 2008.
UNITED STATES. Inflation Reduction Act. Washington, D.C., 2022.