Resumo
O presente artigo examina a trajetória histórica e conceitual da chamada cultura woke, termo que emergiu na comunidade afro-americana no início do século XX como expressão de consciência frente a injustiças sociais. A pesquisa aborda as transformações semânticas e ideológicas do conceito, desde seu uso original ligado ao antirracismo até a ampliação para questões de gênero, sexualidade e diversidade. Também se analisa o fenômeno da apropriação política e midiática, no qual o termo passou a ser utilizado tanto como símbolo de progresso social quanto como instrumento retórico de polarização ideológica. A metodologia adotada é qualitativa, fundamentada em revisão bibliográfica de fontes acadêmicas, jornalísticas e culturais. Conclui-se que a cultura woke é um fenômeno sociolinguístico e político que reflete avanços na agenda de direitos civis e tensões contemporâneas sobre identidade, liberdade de expressão e coesão social.
1. Introdução
O termo woke, de origem na língua inglesa, significa literalmente “acordado”. Seu uso remonta às décadas de 1930 e 1940, no contexto afro-americano, como um chamado à vigilância diante de injustiças e discriminações raciais. Segundo Nelson (2021, p. 15), a expressão “surgiu como um marcador de consciência política e racial, usado para alertar sobre os perigos do racismo institucional”.
Inicialmente restrito a comunidades específicas, o termo foi popularizado por meio de manifestações culturais, como a música “Master Teacher”, de Erykah Badu, lançada em 2008, que reforçava a ideia de consciência social (PITCHFORK, 2021, p. 2).
Após 2014, especialmente com os protestos do movimento Black Lives Matter, woke tornou-se um marcador discursivo abrangendo pautas ligadas ao combate ao racismo, sexismo, homofobia e desigualdade social (ROMANO, 2020, p. 5). Entretanto, a expressão também passou a ser apropriada de maneira crítica por setores políticos e midiáticos, adquirindo conotações pejorativas relacionadas a um suposto “excesso” de correção política (LACEY, 2022, p. 4).
Este artigo analisa a trajetória histórica, o contexto sociopolítico e as implicações contemporâneas da cultura woke, com foco em suas dimensões linguísticas, culturais e políticas.
2. Desenvolvimento
2.1 Origens históricas e contexto cultural
O uso de woke no inglês afro-americano é registrado nos anos 1930, como no discurso do músico Lead Belly em 1938, ao alertar a comunidade para “stay woke” diante das ameaças do racismo institucionalizado (NELSON, 2021, p. 16). Essa acepção vinculava-se diretamente ao ativismo antirracista e à necessidade de consciência crítica coletiva.
2.2 Expansão semântica e ativismo contemporâneo
No início do século XXI, woke ampliou seu campo semântico. A expressão passou a ser aplicada a causas feministas, LGBTQ+, ambientais e de justiça social em geral. Segundo Romano (2020, p. 7), “o termo se tornou uma bandeira simbólica de resistência e inclusão, amplificada pelas redes sociais e pela cultura digital”.
As plataformas digitais desempenharam papel crucial nesse processo, permitindo que narrativas woke alcançassem repercussão global em pouco tempo.
2.3 Apropriação e disputa retórica
A partir de 2018, observa-se um fenômeno de ressignificação política. Políticos conservadores, como Ron DeSantis, passaram a usar o termo de forma crítica, associando-o a práticas que, segundo eles, ameaçam valores tradicionais e a meritocracia (TIME, 2023, p. 3). Paralelamente, setores progressistas continuaram a utilizá-lo como símbolo de engajamento ético e político.
2.4 Impactos culturais e midiáticos
O cinema, a literatura e a publicidade incorporaram a estética e o discurso woke em produções que buscavam diversidade e representatividade. Entretanto, casos de rejeição e boicote a produtos considerados “excessivamente woke” indicam tensões na recepção pública (POLYGON, 2021, p. 1).
2.5 Críticas acadêmicas
Estudos apontam para o risco do ativismo performático, no qual a adoção de discursos woke não é acompanhada de mudanças estruturais efetivas. Nguyen (2022, p. 50) argumenta que “a visibilidade do discurso woke nem sempre se traduz em impacto social mensurável, podendo gerar resistência e fadiga cultural”.
Além disso, há o desafio de equilibrar políticas inclusivas com a preservação do debate plural e da liberdade de expressão, aspecto central em democracias consolidadas.
3. Conclusão
A cultura woke constitui um fenômeno multifacetado que transcende a dimensão linguística, refletindo profundas transformações nas dinâmicas sociais e políticas do século XXI. Se, por um lado, representa avanços significativos na luta contra discriminações históricas, por outro, é alvo de críticas pela suposta imposição de uma visão homogênea de justiça social.
Estudar esse conceito é fundamental para compreender as disputas simbólicas e ideológicas que moldam o discurso público contemporâneo, além de permitir uma análise crítica sobre os limites e potencialidades das agendas de inclusão social.
Referências
- LACEY, M. The evolution of woke: from black awareness to political insult. The New York Times, 2022. Disponível em: https://www.nytimes.com. Acesso em: 11 ago. 2025.
- NELSON, A. Woke history. Oxford: Oxford University Press, 2021.
- NGUYEN, C. T. The problem with political correctness and woke culture. Philosophy and Public Issues, v. 12, n. 2, p. 45-67, 2022.
- PITCHFORK. Georgia Anne Muldrow is the woman who brought us “Woke”. 2021. Disponível em: https://pitchfork.com. Acesso em: 11 ago. 2025.
- POLYGON. The Black Superman movie and the woke debate. 2021. Disponível em: https://www.polygon.com. Acesso em: 11 ago. 2025.
- ROMANO, A. Woke: a short history of a long fight. Vox Media, 2020. Disponível em: https://www.vox.com. Acesso em: 11 ago. 2025.
- TIME. How “woke” became a political flashpoint. 2023. Disponível em: https://time.com. Acesso em: 11 ago. 2025.