Resumo
Este artigo analisa a instituição do dia 19 de novembro como o “Dia da Bandeira” no Brasil, explorando o contexto histórico da Proclamação da República e a necessidade de substituição dos símbolos imperiais. O estudo examina a influência da filosofia positivista de Auguste Comte na concepção do pavilhão nacional, a transição da bandeira provisória para a definitiva e a ressignificação das cores herdadas da monarquia. Através de uma revisão bibliográfica, discute-se como a bandeira serviu — e serve — como instrumento de legitimação política e construção da identidade nacional brasileira.
1. Introdução
A bandeira nacional não é apenas um pedaço de tecido colorido; é um “monumento têxtil”, um artefato cultural denso de significados que projeta a autoimagem de uma nação. No Brasil, o dia 19 de novembro marca a data da oficialização da atual bandeira nacional, ocorrendo apenas quatro dias após a Proclamação da República, em 1889.
A urgência na criação deste símbolo reflete a necessidade dos republicanos de romper com o passado monárquico, mantendo, contudo, uma continuidade visual estratégica para evitar uma ruptura social abrupta. Este artigo propõe-se a investigar os elementos históricos e filosóficos que culminaram no Decreto nº 4, de 1889, e a perenidade deste símbolo na contemporaneidade.
2. A Transição de Regimes e a “Bandeira Provisória”
Com o golpe militar de 15 de novembro de 1889, que depôs D. Pedro II, houve um vácuo simbólico imediato. Os republicanos históricos, liderados por figuras como Rui Barbosa, inicialmente propuseram um modelo fortemente inspirado na bandeira dos Estados Unidos da América.
Esta bandeira, conhecida hoje como “Bandeira Provisória da República”, consistia em 13 listras horizontais (verdes e amarelas) e um cantão azul com estrelas. Ela foi hasteada, de fato, na redação do jornal A Cidade do Rio e no navio Alagoas, que levou a família imperial ao exílio. Contudo, seu uso durou apenas quatro dias (de 15 a 19 de novembro).
A rejeição a este modelo deveu-se, fundamentalmente, à oposição de Marechal Deodoro da Fonseca. Sendo um militar de formação conservadora e nacionalista, Deodoro opunha-se à cópia de símbolos estrangeiros (“não quero plagiar a bandeira de outro país”, teria dito) e mantinha certo apego à tradição das cores nacionais já consolidadas.
3. A Influência Positivista e a Concepção Definitiva
A bandeira que conhecemos hoje foi idealizada por um grupo de positivistas ortodoxos: Raimundo Teixeira Mendes e Miguel Lemos, com desenho do artista Décio Villares e a colaboração astronômica do professor Manuel Pereira Reis.
3.1. O Lema “Ordem e Progresso”
A inscrição na faixa branca é a marca mais explícita da influência de Auguste Comte no símbolo máximo do Brasil. Trata-se de uma abreviação do lema máximo do Positivismo: “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”. A supressão da palavra “Amor” gerou debates históricos, mas a manutenção do binômio Ordem-Progresso refletia o projeto republicano de modernização autoritária e evolução social controlada.
3.2. A Esfera Celeste
Diferente da tradição heráldica europeia, que privilegia brasões e armas, a bandeira brasileira optou por uma representação cosmográfica. A esfera azul retrata o céu do Rio de Janeiro às 8h30min do dia 15 de novembro de 1889 (doze horas siderais), data da Proclamação.
É crucial notar que o céu é representado como visto por um observador posicionado fora da esfera celeste (visão espelhada), o que justifica a posição invertida de certas constelações em relação à visão da Terra.
4. A Ressignificação das Cores: Do Império à República
Um dos atos mais astutos dos idealizadores da bandeira republicana foi a manutenção das cores e do formato básico (o losango amarelo sobre o retângulo verde) da antiga bandeira imperial desenhada por Jean-Baptiste Debret.
- Verde: Originalmente representava a Casa de Bragança (família de D. Pedro I).
- Amarelo: Representava a Casa de Habsburgo-Lorena (família de D. Leopoldina).
Para legitimar a República e apagar a referência dinástica, criou-se uma nova narrativa semiótica popularizada nas escolas: o verde passou a simbolizar as matas e florestas, e o amarelo, as riquezas minerais (o ouro). Essa ressignificação permitiu que a população, majoritariamente analfabeta na época, mantivesse sua identificação visual com o pavilhão nacional, facilitando a aceitação do novo regime.
5. Considerações Finais
O Dia da Bandeira, mais do que uma data cívica de celebração, é um momento de reflexão sobre a engenharia política do final do século XIX. A bandeira brasileira é um caso sui generis na vexilologia mundial: une a herança monárquica (no formato e cores) com a filosofia republicana radical (no lema positivista) e a precisão científica (no mapa estelar).
Celebrar o 19 de novembro é recordar como símbolos são construídos, disputados e ressignificados. A bandeira permanece como o ícone mais potente da identidade brasileira, sobrevivendo a diversas mudanças constitucionais e regimes políticos, provando a eficácia do projeto de seus idealizadores em criar um símbolo de união nacional duradoura.
Referências Bibliográficas
CARVALHO, José Murilo de. A Formação das Almas: O Imaginário da República no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
COIMBRA, Raimundo Olavo. A Bandeira do Brasil: Raízes Históricas e Culturais. Rio de Janeiro: IBGE, 1979.
LUZ, Milton. A História dos Símbolos Nacionais. Brasília: Senado Federal, 2005.
TRINOS, M. Positivismo e Simbologia na Primeira República. Revista de História Social, v. 12, n. 2, p. 45-67, 2010.
